terça-feira, 1 de setembro de 2009

Quem vai escrever minha autobiografia?

Sábado de manhã, toca o telefone e um tal Roberto me faz a proposta inusitada:

- Leo Cunha? Eu quero que você escreva a minha autobiografia.

Minha primeira reação é uma risada. Será que eu tinha escutado bem?
- Desculpa, o que foi que você disse?
- É isso mesmo, Leo Cunha. Eu quero convidar você para escrever minha autobiografia.
A voz era tímida, mas decidida. Parecia ter preparado muito para a ocasião. Depois da surpresa inicial, me esforcei para não ser indelicado.

- Escute, meu amigo: se eu escrever, não vai ser autobiografia.

- Perfeito, perfeito. A bem da verdade, eu poderia escrevê-la eu mesmo, mas vou direto ao cerne da questão: eu não possuo nenhum contato, a nível de editoras sua na televisão, vi que você tem livros em varias editoras. Isto posto...

Isto posto. A nível de. Cerne da questão. Ele estava caprichando. Queria passar boa impressão. Um dicionário do lado telefone, talvez.

- Olha, meu amigo – expliquei com calma. – Eu ando tão apertado que não tenho tempo nem para minhas próprias histórias. Infelizmente, não vou poder aceitar, não.

- Então já sei, Leo cunha. Como você não tem tempo, eu escrevo a historia e você só assina, como autor!

O buraco estava aumentando. E, pra dizer a verdade, eu estava começando a me incomodar com ele me chamando de Leo Cunha pra lá e pra cá, em vez de simplesmente Leo.

Ele insistindo:

- Por favor, não jogue uma pá de cal em cima do meu grande sonho, Leo Cunha. A historia da minha vida é repleta de momentos emocionantes, tocantes, além de peripécias muito divertidas. Eu juro, Leo Cunha. Se você escrevesse, ou pelo menos assinasse, seria uma maneira de otimizar a minha vida. Estou convicto de que, juntos, nós faremos um best-seller.

Percebi que minha única saída era ser óbvio:

- Escute aqui, rapaz. Eu não sei de onde você tirou essa idéia, ou quem pôs essa a idéia na sua cabeça. Mas é uma coisa absolutamente antiética. Você não percebe?

- Mas tem escritor que faz isso.

- Se tem, eu não conheço.

Ele ficou mudo alguns instantes, depois mudou de tática.

- Agora entendi a sua preocupação. Você deve estar pensando que eu vou te processar por plagio depois que o livro for publicado.

Aí já era demais pra minha paciência! Bati o telefone e avisei pra todo mundo que, se ligassem, eu não estava em casa. É cada um que aparece...

Mas sabe que agora, depois de alguns dias, me bateu uma pena do tal Roberto? Imagine a carência do sujeito, o desespero, a busca ansiosa por alguém que queira – senão escrever- ao menos escutar a história de sua vida.

Espero, sinceramente, que o Roberto crie coragem pra encarar sua autobiografia. Garanto que compro o livro peço autógrafo. E mais: se ele contar esse episódio, prometo que não o processo por plágio.

A matemática e os mendigos

Para convencer o marido a abandonar o vício, dona Marta fez tudo. Tomou até aulas particulares de matemática e estatística. Quando falou a frase fatídica, “Precisamos ter uma conversa séria”, ela já estava se sentindo expert em análise combinatória e cálculos de probabilidade.

Começou de leve:
- Meu bem, você já calculou seus gastos mensairs com a loteria?
- Eu sei... eu sei... – ele respondeu, lacônico. – Mas um dia você vai ver, um dia eu ganho!
Marta quase gritou “chega dessa conversa!”. Mas se controlou e respirou fundo. Desta vez precisava usar argumentos racionais.
De nada adianta, combater um vício com apelos emocionais.

- Sabe o que é, meu bem? Eu estive estudando e pesquisando nos últimos meses.

- Pesquisando? – ele fez a careta mais estranha dos trinta anos de casamento.

- É. Você sabia que a chance de alguém ganhar na Mega-sena é cerca de uma em cinqüenta milhões de apostas?

Ele deu de ombros.

- Querida, você está esquecendo uma coisa: toda semana eu jogo os mesmos números, 2, 5, 16, 25, 33 e 37. Mais dia, menos dia, esses números vão ser sorteados.

- Você está redondamente enganado. Segundo a matemática, a chance de saírem exatamente estes números é mínima, quase impossível.

- Por quê? Por que logo os meus números? O que você tem contra os meus numerozinhos? O que a matemática tem contra eles!

- Absolutamente nada. – Marta manteve a frieza. – Os seus números têm a mesma chance mínima de qualquer outra combinação de seis número. É matemática pura.

Ele já estava começando a ficar com medo da conversa. Não sabia conversar com a esposa naqueles termos. Será que ia terminar em pedido de divórcio?

- Seja direta. O que você está querendo me dizer?

Marta jogou os cabelos pra trás e abriu um sorriso compreensivo.

- Imagine uma coisa: você jogaria os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6?

- Claro que não. Vê se algum dia vai sair, 1, 2, 3, 4, 5, 6, em seqüência? Ia ser muita coincidência.

- Pois é isto o que eu estou querendo te mostrar. Essa seqüência tem exatamente a mesma chance de sair do que os seus queridos 2, 5, 16, 25, 33 e 37. O Vicente me explicou isso nos mínimos detalhes.

- Que Vicente é esse? Você quer divórcio?

- Calma, calma. Vicente é o professor de matemática que eu contratei pra me ajudar. Pode ficar tranqüilos ele, ele tem 21 anos.

- 21? Pirou!

- Ô, meu bem, deixa disso. Eu só escolhi o Vicente porque me garantiram que ele sabe tudo de estatística.

- Parabéns pra ele! Pode ligar pra esse cara e dizer que eu vou continuar jogando os mesmo números.

E não é que ela ligou mesmo?

- Vicente, é a Marta. Eu preciso de um favor seu. Repita para meu marido tudo o que você me explicou.

O marido pegou o fone com má vontade.

- Saiba de uma coisa, rapazinho!.. O quê?... Sei... sei... sei... jogando fora... sei... mendigos?... é mesmo?...

E desligou, vermelho sem graça

- O Vicente disse que estou jogando dinheiro fora!

- Eu não te disse? Agora você acredita?

- Pode ser. Mas sabe que esse rapaz me disse uma coisa bem interessante? – o marido começou a abrir um sorriso. – Ele já te falou da teoria dos mendigos?

- Mendigos? – ela estranhou. – Que história é essa?

- Segundo o Vicente, seria melhor eu pegar esse dinheiro da Mega-sena e entregar pros mendigos na rua. A chance de um deles ser um milionário disfarçado e me dar um milhão de reais é maior do que a chance de saírem os meus números. Interessante, não é?

Desde aquele dia, ele passou a sair de casa com o dinheiro da loteria e dar tudo de esmola para os mendigos no passeio público. Mas não todos os mendigos, evidentemente. Apenas o 2º, o 5º, o 16º, o 25º, o 33º, e o 37º mendigo que apareciam no caminho.